Há uns anos atrás, conheci um homem estrangeiro, que entretanto voltou para o seu país de origem; uns tempos mais tarde, nos meandros das redes sociais, recebi uma mensagem de uma pessoa com o mesmo nome, e obviamente pensei que era ele. Encetámos uma conversa "virtual" sobre viagens e lugares que já tínhamos visitado, até eu perceber que afinal não era a pessoa que eu conhecia, mas um desconhecido que nem sequer vinha do mesmo país do primeiro...
Mas como a conversa já tinha rolado, e não havia manobras de "engate" desagradáveis, mantive o contacto esporádico sobre temas inócuos, até surgir o óbvio convite para irmos tomar um copo. Não aceitei o primeiro convite, tentando ao mesmo tempo não ser antipática, mas quando surgiu o segundo convite para uma festa de Halloween no seu apartamento, resolvi aceitar. A morada era perto da minha casa, não tinha nada programado para essa noite, e pensei - o máximo que me pode acontecer é chatear-me e vir-me embora cedo.
Estive até ao momento de sair ainda na dúvida se iria ou não. Afinal, ia a uma festa onde não conhecia ninguém - nem sequer a pessoa que me tinha convidado! Situação inusitada, no mínimo! Como imaginam, acabei por ir (senão não estava a contar esta história).
Quando estamos num lugar onde não conhecemos ninguém, somos obrigados a falar com pessoas desconhecidas, se não queremos ficar num canto a amuar. Meti conversa com algumas pessoas - a mesa estava cheia de coisas boas, e conversar sobre comida é um tema muito fácil para mim! -, outras pessoas meteram conversa comigo, e assim começou uma noite simpática.
Todo o mundo falava inglês, porque as pessoas da festa eram maioritariamente anglo-saxónicas. E de repente, do nada, veio um homem que me pergunta em português com sotaque francês - "então e nós, o que é que vamos falar?". "Podemos falar português" - respondi eu - "sou portuguesa" (resposta que o surpreendeu, porque estávamos num ambiente anglo-saxónico onde só havia mais uma portuguesa para além de mim, e porque fisicamente eu passo bem por uma pessoa de outra nacionalidade).
Começámos a falar, e o resto é história: o momento em que parecia que mais ninguém existia na sala para além de nós os dois, o fim da festa em que ele me pediu o número de telefone, o convite para irmos ver uma exposição ao Museu do Chiado dois dias depois, e o inevitável convite para jantar que se seguiu, que deu início à relação que hoje temos.
Numa festa onde não conhecia ninguém, e onde portanto não era suposto estar, encontrei o homem da minha vida. E o que é mais curioso, é que ele próprio não era suposto estar lá, porque estava com uma constipação de caixão à cova e tinha decidido não sair nessa noite. Só o poder de persuasão de uma amiga sua, a quem ele tinha prometido que iria acompanhá-la a esta festa, fez com que ele saísse de casa - cavalheiro que se preze não falta às promessas feitas a uma dama! (obrigada Marie!)
E este francês que entrou na minha vida com o seu belo sotaque vem da região
Le Nord (a tal região dos
ch'tis, quem já viu o filme
Bem Vindo ao Norte?), onde há uma enorme produção de endívias, pelo que muitos dos pratos regionais utilizam este vegetal.
Por isso, quando no blogue
Emile and Lea's Secrets descobri esta tarte salgada
vegan, resolvi de imediato experimentar a receita, com algumas adaptações, para responder ao convite do
Limited Edition, que todos os sábados publica uma receita saudável, vinda da cozinha dos vizinhos. Claro que a história que liga bem com endívias tinha que ser a história do meu encontro com este
ch'ti que se instalou na minha vida.
Espero que gostes, Maria! É uma tarte versátil, que pode servir como entrada ou como prato principal, onde sobressai o gosto delicado das endívias.
PS Moral da história - vão a todas as festas para as quais sejam convidados, mesmo que estejam doentes, mesmo que não vos apeteça, mesmo que não conheçam ninguém, porque nunca se sabe o que pode acontecer!
Ingredientes:
Massa
150 g de farinha de trigo integral
50 g de flocos de aveia
4 colheres de sopa de azeite
5 colheres de sopa de água
2 g de sal fino
Recheio
4 endívias (cerca de 450 g)
3 cebolas
1/2 colher de chá de cominhos
2 colheres de sopa de "nata" de arroz
Azeite
Sal
Pimenta
Começar por preparar a massa, misturando todos os ingredientes secos. Em seguida, adicionar o azeite e misturar com um garfo. Amassar com as mãos, enquanto se vai acrescentando a água, até obter uma consistência homogénea. Amassar durante 5 minutos. Cobrir com película aderente e deixar repousar uma hora no frio.
Cortar as cebolas em meias luas e as endívias em rodelas. Refogar as cebolas num fio de azeite até dourarem. Acrescentar em seguida as endívias, tapar e deixar cozinhar em lume brando durante 20 minutos.
Retirar do lume e temperar com cominhos, sal e pimenta. Envolver a nata de arroz.
Estender a massa numa forma de tarte. Espalhar o recheio por cima e levar ao forno a 200º durante 25 minutos ou até dourar por cima.
O humor ch'ti ("chicon" é o nome dado à endívia nesta região)