A beterraba não fazia parte da minha alimentação quando eu era criança. Talvez por falta de hábito, não sei, mas os meus pais não usavam muito este tubérculo. A dada altura da minha infância fomos viver para Macau, e também não é um ingrediente muito comum na cozinha chinesa, pelo menos na cozinha de Cantão e de Xangai, que era aquela que eu melhor conhecia.
Nesse período em que vivemos em Macau, os meus pais fizeram amigos. Conheceram um casal com dois filhos que se tornaram os nossos companheiros de todas as ocasiões - fins de semana, férias, Natal, estávamos sempre juntos. Lembro-me sempre deles divertidos e bem dispostos. Ele dizia muitos disparates bem humorados e ela transmitia alegria, amor e boa onda. Era a única pessoa que me podia apertar as bochechas sem eu ter vontade de lhe bater. Era a pessoa que eu procurava na escola quando me sentia um bocado perdida.
Na casa dos trinta, diagnosticaram a M. um cancro da mama. Tirou um seio. Provavelmente, passou momentos de desespero, aflição e tristeza, e com certeza que ajustar-se a um novo corpo, sem uma parte tão essencial da feminilidade, não pode ter sido fácil. Mas sempre que eu a via, ela transmitia energia, otimismo e força. E aproveitava a vida!
Voltámos de Macau para Portugal todos na mesma altura e continuei sempre a gostar de os encontrar. A dada altura, construíram uma casa na praia e voltámos a passar férias juntos, num lugar que ainda hoje adoro - Aljezur. Vários anos depois, o cancro voltou, desta vez no útero.
Provavelmente, a angústia, o desespero, a raiva. De novo, sempre que eu via M., ela lutava, transmitia confiança, força e boa disposição. Lutou com as armas da medicina mas também através da alimentação. N., o marido, explicou-me o que eram alimentos anti-oxidantes, essenciais na prevenção e na luta contra o cancro, e foi a primeira pessoa a explicar-me que o leite, sobretudo em associação com outros alimentos, era potencialmente cancerígeno. Preparava a M. todos os dias um sumo de beterraba; ela não gostava, mas bebia a rir-se.
Desta vez, M. não sobreviveu.
Sempre que eu como beterraba, lembro-me dela. Da sua luta, mas sobretudo do seu carinho, da sua alegria e da sua força. Por isso mesmo, esta receita é a minha participação no desafio do Limited Edition, que nos pede que procuremos receitas que nos tragam memórias.
Estas almôndegas são inspiradas nesta receita do Fat Free Vegan.
Ingredientes:
1 beterraba
1 cenoura
1 cebola pequena
1 dente de alho
25 g de sementes de linhaça
70 g de amêndoas sem pele
140 g de feijão branco cozido
1 colher de chá de oregãos
1 colher de chá de pimentão doce
6 folhas de salva
Sal
Pimenta
Moer a linhaça. Juntar três colheres de sopa de água, misturar bem e reservar.
Ralar a beterraba e a cenoura. Picar finamente a cebola e o alho e juntar aos legumes ralados.
Moer as amêndoas. Triturar o feijão até obter um puré. Picar finamente as folhas de salva.
Juntar as amêndoas moídas, o puré de feijão, a linhaça e os temperos. Misturar bem.
Formar bolinhas (rende cerca de 15 - 16 almôndegas), que se dispõem num prato e se levam ao frigorífico durante uma hora.
Levar ao forno a 200º durante 35 minutos.
A receita é maravilhosa, a memória é linda.
ResponderEliminarBeijinhos
Gostei muito da história, até porque eu também tenho "um passado" com a beterraba. Quando tive o acidente de carro, uma médica receitou-me pelo menos um copo de sumo de beterraba todos os dias para ajudar na recuperação, especialmente na reposição dos níveis de ferro no sangue. Durante muitos anos não fui capaz de tocar em beterraba sem me lembrar dessa período da minha vida, mas ultimamente tenho tentado incluí-la na minha alimentação de maneiras diferentes e que mascarem esse característico sabor a terra que a beterraba traz. E também para substituir memórias menos boas tentando recordar-me dos inúmeros benefícios que a beterraba traz ao meu organismo. São essas as recordações que devem ficar, não achas?
ResponderEliminarGostei muito da tua participação (como aliás já tinha adorado a tua receita para o meu passatempo anterior). Um beijinho, Maria
A beterraba é super importante e ajuda imenso o organismo.
ResponderEliminarGostei imenso das almôndegas, e da memória, sempre lutar.
Um beijinho.
Que lindas almondegas, e que história inspiradora. ficam as memórias da M no coraçao de todos os que a conheceram certamente :)
ResponderEliminarBeijinhos
http://sudelicia.blogspot.pt/
não houve qualquer problema com a tua participação, eu é que me esqueci de incluía-la na publicação!! sorry*
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